sábado, 31 de janeiro de 2009

Cruz e Sousa


olhares.com

Dança do Ventre

Torva, febril, torcicolosamente,
numa espiral de elétricos volteios,
na cabeça, nos olhos e nos seios
fluíam-lhe os venenos da serpente.


Ah! que agonia tenebrosa e ardente!
que convulsões, que lúbricos anseios,
quanta volúpia e quantos bamboleios,
que brusco e horrível sensualismo quente.


O ventre, em pinchos, empinava todo
como réptil abjecto sobre o lodo,
espolinhando e retorcido em fúria.


Era a dança macabra e multiforme
de um verme estranho, colossal, enorme,
do demônio sangrento da luxúria!


sábado, 24 de janeiro de 2009

Flor nas flores...

olhares.com

4º Motivo da Rosa


Não te aflijas com a pétala que voa:
também é ser, deixar de ser assim.
Rosas verá, só de cinzas franzidas,
mortas, intactas pelo teu jardim.
Eu deixo aroma até nos meus espinhos
ao longe, o vento vai falando de mim.
E por perder-me é que vão me lembrando,
por desfolhar-me é que não tenho fim.


(Cecília Meireles)


quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Carlos Drummond de Andrade...

Os ombros suportam o mundo



Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

sábado, 17 de janeiro de 2009

Improviso...

Naturalmente, se desfaz a luz do abajur. Um desejo de que tenha boa noite e bons sonhos. Um beijo cala os sussuros ao ouvido. O resto é improviso, imaginação...



olhares.com (botão de adália)

Boa noite!


quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Álvares de Azevedo...

olhares.com

Adeus, Meus Sonhos!

Adeus, meus sonhos, eu pranteio e morro!
Não levo da existência uma saudade!
E tanta vida que meu peito enchia
Morreu na minha triste mocidade!
Misérrimo! Votei meus pobres dias
À sina doida de um amor sem fruto,
E minh'alma na treva agora dorme
Como um olhar que a morte envolve em luto.
Que me resta, meu Deus?
Morra comigo
A estrela de meus cândidos amores,
Já não vejo no meu peito morto
Um punhado sequer de murchas flores!


sábado, 10 de janeiro de 2009

A minha saudade...

... a minha poesia...


olhares.com

Estou carente de saudade, e porquê?
Já nem sei se com ou sem acento,
A modernidade me aflige
De certa forma estou carente
Da real saudade...
Do que foi e o que não foi.
E o que virá, então?
Talvez, seja a saudade que estou a esperar...
Quem sabe a música, o violão ou as borboletas
Tragam de volta, esta saudade para mim...

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Clarice Lispector...

Um mundo que cai...

autor: ricardo costa - olhares.com

“Escrevo neste instante com algum prévio pudor por vos estar invadindo com tal narrativa tão exterior e explícita. De onde no entanto até sangue arfante de tão vivo de vida poderá quem sabe escorrer e logo se coagular em cubos de geléia trêmula. Será essa história um dia o meu coágulo? Que sei eu. Se há veracidade nela – e é claro que a história é verdadeira embora inventada – , que cada um a reconheça em si mesmo porque todos nós somos um e quem não tem pobreza de dinheiro tem pobreza de espírito ou saudade por lhe faltar coisa mais preciosa que ouro – existe a quem falte o delicado essencial.”


Pássaro...

olhares.com

Aquilo que ontem cantava
já não canta.
Morreu de uma flor na boca:
não do espinho na garganta.
Ele amava a água sem sede,
e, em verdade,
tendo asas, fitava o tempo,
livre de necessidade.
Não foi desejo ou imprudência:
não foi nada.
E o dia toca em silêncio
a desventura causada.
Se acaso isso é desventura:
ir-se a vida
sobre uma rosa tão bela,
por uma tênue ferida.

Cecília Meireles


A arte de viajar...

De malas desfeitas, aqui estou, cantando, e de volta pro meu aconchego...

autor: ana dias - olhares.com

A gente sempre deve sair à rua como quem foge de casa,
Como se estivessem abertos diante de nós todos os caminhos do mundo.
Não importa que os compromissos, as obrigações, estejam ali...
Chegamos de muito longe, de alma aberta e o coração cantando!


Mario Quintana - A verdadeira cor do invisível